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Dois Karatês? O Karatê de Okinawa e o Karatê esportivo

Atualizado: 7 de fev.

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O Karatê não é uma arte marcial originariamente Japonesa. Suas origens remontam o reino de Ryukyu, atualmente conhecida como a ilha de Okinawa, Japão. Caso as duas frases anteriores possam lhe soar contraditórias, adianto para você: elas não são, vejamos!


Um pouco de história Para entender bem o que estou tentando dizendo será necessário que o leitor faça, mais uma vez, uma viagem pelo tempo. Ao compreendermos sobre as origens e a forma do Karatê de Okinawa seremos capazes de fazer uma separação prática da arte originária e ainda mantida naquela pequena ilha do Pacífico, daquela que se espalhou pelo mundo como um esporte.

É muito importante considerar que Okinawa constituia uma unidade política à parte do Japão. Até o ano de 1870 ela pertenceu ao Reino de RyuKyu, que envolve todo um arquipélago de ilhas, do qual Okinawa fez parte [1].


Durante um período da história Okinawa foi considerada como um estado tributário da China [2]. As relações políticas e culturais de Okinawa com a China tem registro de quase 530 anos, de 1340 a 1866 (período que perpassa a invasão de Okinawa pelo Clan japonês Satsuma em 1609) [2]. Essa relação intrincada com a China será fundamental para o desenvolvimento de uma arte de defesa pessoal única em Okinawa. Embora registros escritos sobre o tema sejam raríssimos [3] é consenso entre os grandes senseis de Okinawa, também de historiadores, a existência de uma arte primitiva* milenar de defesa pessoal desenvolvida e praticada exclusivamente em Okinawa: o Ti. Esta arte enfatizava técnicas com as mãos fechadas (Heishu waza) [1,2].


* Primitivo: diz-se do originário; da forma inicial; daquilo que veio primeiro, do ancestral.

Para além dos elos comerciais diretos com a China, sabe-se também da importância de Okinawa para o comércio internacional naquela região [3], servindo de apoio para, e dali partindo embarcações em rotas comerciais para Taiwan e Japão. Como consequência Okinawa recebia um grande número de estrangeiros, principalmente chineses [2]. Além disso, muitos Okinawanos viajavam de sua terra natal para outros países em missões políticas ou comerciais. Este é um motivo importante para a grande intensidade de intercambio cultural nas terras de Okinawa.

Uma consequência dessa mistura cultural foi a difusão de técnicas do Kempo chinês naquela ilha.


Ao longo do tempo elementos do Kempo chinês foram incorporados à prática do Ti dando origem a um sistema único defesa pessoal desiganado Todi - 唐手 (Tuudii ou Tode), o que pode ser traduzido por "Mãos Chinesas".


Este sistema misto, o Todi, tem como ponto principal a prática do Kata, que por sua vez requer o bunkai (análise) e o Kumitê. Também é dada grande atenção ao preparo físico do praticante. A centralidade do Kata é marcante no Karatê Okinawano, de forma que o Kumitê consiste em um elemento de treino onde as técnicas das Katas (analisadas no bunkai) são aplicadas. Aqui fica nítido a estrita conexão entre o Kata e o Kumitê via Bunkai, uma marca da ancestralidade do que atualmente denominamos como Karatê - 空手.

Neste ponto em que chegamos é muito importante atentar para o fato de que originariamente o Ti e mais tarde o Todi foram praticados como arte aplicada de defesa pessoal real. Naqueles tempos o que se praticava era um sistema de autoproteção. Podemos facilmente imaginar a necessidade disto em uma área com grande fluxo de pessoas e mercadorias como a antiga Okinawa, ou para marinheiros em embarcações com valiosas cargas.

Efeitos de uma Guerra



A Segunda Guerra Mundial é um marco na história de Okinawa e portanto do Karatê. As forças americanas invadiram a ilha em abril de 1945, sendo travada uma dura batalha ao longo de quase três meses até o definitivo domínio americano em junho daquele ano. Okinawa foi devastada. Foram perdidas valiosas vidas, dentre elas a de praticantes e senseis do Tode e também a perda de vários registros sobre esta arte.


Os prejuízos da 2° Guerra para o Tode são notáveis. Por outro lado o resultado da guerra irá fazer com que o Tode seja reformulado, dada as novas necessidades do pós-guerra. É a partir deste ponto na história que o Karatê ganha o mundo [1], principalmente pela difusão de sua prática por parte de homens da força de dominação Americana. Conta também, para sua difusão a inclusão do Karatê como uma arte marcial na Dai Nippon Butoku Kai, o que dá identidade Japonesa a arte de autodefesa de Okinawa. O que foi determinante para que o Karatê passasse a ser reconhecido como uma arte de 'nacionalidade' japonesa.


O Karatê passa por uma reformatação abandonando-se ou ocultando-se técnicas letais e outras como as de solo, os quebramentos, arremessos e as imobilizações. Assim, torna-se possível sua sistematização enquanto um esporte e a sua popularização.


A prática esportiva, por sua vez, demanda a necessidade de priorizar o uso de técnicas com menor potencial lesivo. O inimigo real passa a ser um adversário esportivo cuja condição física e saúde devem ser, obviamente, preservadas.


Assim, alteram-se princípios básicos do Karatê de Okinawa, como por exemplo a abreviação do tempo do confronto para um combate esportivo com duração fixa de três minutos. O Karatê, antes uma arte de defesa pessoal aplicada, se metamorfoseia em um esporte de estilo esgrimático com objetivo de se colecionar o maior número de pontos para vencer esportivamente.


No Karatê esportivo as katas são modificadas de modo a priorizar elementos estéticos passíveis de serem pontuados nas competições, muitas vezes em sacrifício das técnicas nele contida. O kata e o bunkai aqui já não são mais os eixos centrais do treino e o sentido originário do kumitê se transforma.


Em nosso ponto de vista não resta dúvida de que atualmente o termo Karatê é aplicado a duas abordagens distintas. Uma é a forma que mesmo após os efeitos da 2ª Guerra tentou-se manter o mais próximo possível de sua prática ancestral em Okinawa e que hoje pretende-se seu tombamento como patrimônio imaterial da humanidade. A outra é a forma derivada que incorporou modificações e novidades e ganhou o mundo como um esporte de competição, cujo apogeu foi sua incorporação como um esporte olímpico em 2020. Embora as duas formas recebam a mesma denominação - Karatê - elas podem ser consideradas como duas artes distintas. Algo parecido aconteceu antes, como quando Kano J. Sensei intencionalmente desenvolveu o Judo a partir do Ju-Jutsu.


É importante que o leitor entenda que aqui não se trata de uma ordenação com base em qual delas é a melhor, de qual é boa e qual é a ruim. Precisa-se somente entender a distinção para saber qual delas se adequa melhor para você! Tratam-se de duas abordagens diferentes, aquela que ainda é praticada em Okinawa e pode ser considerada como um repositório de uma arte de defesa pessoal ancestral e a outra, a forma que desta se derivou.


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A IOGKF Brasil é uma organização internacional dedicada ao Karatê Goju-Ryu de Okinawa. No Brasil ela é representada pelo Instrutor Chefe Zé Mário Monteiro Sensei. Você pode contactá-lo diretamente no Hombu Dojo da organização no Brasil no estado do Espírito Santo.

Também pode procurar pelos dojos filiados localizados nas cidades de Belo Horizonte (Centro de Karatê Goju-Ryu Tradicional ou a Fight Studio); Carmo do Rio Claro (no sul de Minas Gerais CT Carmo Fight); em Lavras-MG e na cidade do Rio de Janeiro (no CT Dojo).


Todi!


Referências citadas


1 - Nagamine, S. 1998. The Essence of Okinawan Karate-do. Tuttle Publishing 273p.

2 - Hiagaonna, M. 1985. Traditional Karate-DO - Okinawa Goju Ryu Vol. 1 Fundamental Techniques. Sugawara Martial Arts Institute 169 p.

3 - Budd, K & Hokama, T. 2019. Peaceful Warrior: Okinawa Karate: the original MMA. ‎ Hurst Goju Ryu & International Kenshikai Organisation 331p.



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