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Há quem acredite que a prática do karatê envolva exclusivamente técnicas de braços e de pernas. Eu mesmo já ouvi por aí coisas como: "no karatê o uso de braço e perna é de 70% e 30% respectivamente". Fico pensando sobre como a pessoa que me disse isto chegou a esta conclusão... Claro que as técnicas de ataque e de recebimento (uke-waza) implicam no uso de pernas e braços. Entretanto, no karatê, esses membros não trabalham sozinhos, eles são acompanhados do uso da estrutura (músculos, ossos e tendões) de outras partes do corpo como ombros, costas, abdômen, quadril, além do tanden e da respiração. Toda estrutura corporal deve estar envolvida na 'defesa' (receber o ataque adversário) ou no ataque, uma combinação que redireciona, ou amortece, a força advinda do movimento do oponente ou que em situação de ataque transfere a força gerada pelo movimento para o alvo. Isto se traduz pelo conceito de shishee do Uchinaaguchi (o dialeto falado na ilha de Okinawa). Shishee pode ser definido como estado no qual se atinge o ápice de energia através da atitude de todo o corpo. No karatê aprendemos a usar a velocidade e a força gerada pelos nossos próprios movimentos corporais (shishee) para autodefesa. Tão importante quando isto, aprendemos também a usar a força do oponente ao nosso favor. Mas isso pode não ser algo tão trivial. O karatedoka deve se lembrar da estranheza, do desconforto e da falta de coordenação motora para realizar movimentos simples quando do seu início na prática do Karatê. Você se lembra do comportamento do seu corpo ao aprender o seu primeiro kata? - Meus primeiros mae-gueris eram totalmente descoordenados!
Realmente, aprender os modos de uso do corpo no karatê implica em utilizar movimentos que são extremamente diferente daqueles que usamos no dia a dia, ou que raramente são utilizados. É como aprender uma 'nova' coordenação motora. Por isto, treinamos para criar em nós mesmos a consciência corporal que nos permite usar padrões únicos de movimentos do corpo. Assim, algo que antes nos parecia estranho passa a ser naturalmente executado.
Este estado de consciência corporal é alcançado e mantido pela prática do jumbi undo (exercícios preparatórios que antecedem o treino das técnicas) e do hojo undo (exercícios suplementares) do Karatê de Okinawa. Através destes exercícios desenvolvemos o 'Goju-body' (o corpo de Goju), um condicionamento e preparo corporal que permite a execução correta e eficaz das técnicas. Somente então estaremos plenamente habilitados para a aplicação dessas técnicas no kumitê (luta).
O Karatedoka deve estar consciente da necessidade primordial de praticar educação física através do jumbi undo e do hojo undo associados a exercícios atuais. Isto pode implicar em um tempo mais longo até o aprendizado de técnicas e do treino do kumitê. Entretanto, posso lhe afirmar que assim você estará aprendendo o Karatê em sua mais pura essência.
Paciência e virtude.
Fontes bibliográficas: May, S. 2014. Okinawan Karate and Kobudo Handbook. University of the Ryukyus, Nishihara, 43p.
Toguchi S. 2001. Okinawan Goju-Ryu II: Advanced Techiniques of Shorei-Kan Karate. Ohara Publications 173p.
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