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“Por que você está tão rígido?” Surpreendentemente foi o que ouvi de Torben Sensei (IOGKF Dinamarca) enquanto praticava kakie sob sua instrução no Gasshuku Sul-Americano IOGKF em Cuzco, no Peru, no ano de 2018.
Logo na sequência ele me disse algo como: “O karatê é mais maleável, relaxe os seus joelhos, solte os seus ombros”!
Naquele mesmo evento, dias antes, Kokubo Sensei (IOGKF Perú) chamava a atenção de que “o corpo deve estar como a água”, ao focar na dinâmica em que a força do tanden é transferida ao golpe... - A água, a maleabilidade e a minha rigidez...
Bela Cuzco!
Eu que, naquele gasshuku iniciava meus primeiros dois passos na longa estrada do karatê tradicional de Okinawa (depois de que Zé Mário Sensei - instrutor chefe da IOGKF Brasil - me abriu as portas para esta jornada), estranhava um pouco aquela forma de prática. Tentar deixar os joelhos flexionados foi uma sensação um tanto quanto estranha para mim durante aquele gasshuku… Estranhava aquela postura 'relaxada', com menos tensão, com uma maleabilidade que muito me fez até lembrar do Kung fu.
Atualmente tenho percebido que essa postura é algo muito importante para o karatê de Okinawa. Este é um ponto para o qual frequentemente tenho chamado a atenção dos karatedo-kas em nosso dojo.
Para o iniciante ou até mesmo para quem vem do ‘karatê esportivo”, treinar com essa forma 'relaxada' pode parecer contraintuitivo… algo que contraria uma resposta corporal inata esperada para um momento de 'violência' e uso da ‘força’.
Afinal, ‘parar’ um golpe que é forte exige uma defesa que tenha força! Para causar dano ao agressor somente com um golpe forte, rígido! Então nada melhor do que enrijecer toda a musculatura, as articulações de braços e pernas! Certo?
Creio que não! Todo esse enrijecimento confere um aspecto robótico que diminui a efetividade da técnica executada. Limita os movimentos, impedindo toda dinâmica de transferência de forças sobre a qual Kokubo Sensei ensinava lá no Gasshuku no Perú.
Atifa - 衝撃波 - uma palavra que no jargão de Okinawa define o importante princípio de transferência de energia do golpe para o oponente. Implica em realizar uma técnica com condição relaxada (maleável) para então brevemente tensionar no ponto do impacto. Isto gera uma forte onda de choque mecânico que atravessa pelo alvo (o corpo do oponente) (May, 2014). Para bom entendedor, pingo é letra!
No karatê de Okinawa, ao se aplicar o princípio atifa, pretende-se causar mais do que um ferimento superficial. O princípio permite promover a ampliação dos danos aos órgãos internos, inabilitando o agressor.
Há que se praticar o karatê tentando retirar as amarras das articulações e dos músculos, buscando um estado onde exista força mas não uma rigidez sem dinâmica, onde haja leveza mas nunca fraqueza. Sem este estado desperdiçamos a aplicação de um princípio que aumenta a eficácia da técnica aplicada o que pode levar a menor duração do embate. ‘Goju’ é um termo frequentemente traduzido separando-se os seus componentes antagônicos: o rígido e o suave… o duro e o flexível… O que tenho percebido à medida que pratico o Karate Goju-Ryu de Okinawa é que ambos parecem compor uma mesma unidade: Go e ju são inseparáveis. Goju pode ser então, mais do que a simples soma do duro e do suave. Tenho refletido que o termo pode ser uma expressão única de uma propriedade emergente -quando o todo é maior do que a mera soma entre as suas partes.
Quem sabe 'goju' possa denotar que a brutalidade da força (go) é suavidade em movimento (ju)?
“A un” Referência: May, S. 2014. Okinawan Karate and Kobudo Handbook. University of the Ryukyus, Nishihara, 43p.
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