Não há uma pessoa que esteve em um dojo de karatê e que não tenha notado o treino das bases (dachis). Chama a atenção a ênfase no treino das bases nos kihonns e nas katas. Apesar disso, arrisco a dizer que as bases, ou o uso delas, não são tão bem compreendidos por boa parte dos karatekas.
Há um entendimento de que as bases são algo fixo, sem dinâmica. Alguns praticantes, erroneamente, acreditam que as bases devam ser mantidas fixas durante o kumite, como posições estáticas. No entanto, a dinâmica do combate exige que as bases sejam ajustadas constantemente. Esse mal-entendido pode estar associado até mesmo à maneira de treinar no karatê moderno, que trata kihon, katas e kumite como técnicas isoladas, como se não fossem três componentes de um mesmo sistema de treino.
Mas, afinal, por que treinamos as bases? Qual o motivo para que essa seja uma prática estabelecida no treino do karatê? Por que tanta ênfase no treino das bases?
Para responder a essas perguntas, primeiramente é importante destacar que: “Como seres humanos, ficamos naturalmente em posições que estabilizam o corpo. Nossos pés e pernas nos suportam, distribuindo nossa massa e absorvendo forças. As posições utilizadas no karatê são baseadas em aplicações sistemáticas das leis da física, cinesiologia e fisiologia.” [1] (tradução livre).
Um dos pontos mais relevantes para se entender os motivos do treino das bases é o centro de gravidade corporal. Em situação de autodefesa (ou em combate), a massa corporal deve se manter balanceada em relação ao centro de massa, o que é vital para a manutenção do equilíbrio e geração de força. Da mesma forma, na aplicação de algumas técnicas, é necessário alterar a posição do centro de gravidade em relação ao do adversário, mantendo-se o equilíbrio.
Em situação de confronto, estaremos em movimento, e, à medida que mudamos as posições das partes do corpo, alteramos suas relações com o centro de massa. É nessas horas que devemos nos mover até as bases e através das bases [2], mantendo o equilíbrio.
O constante treino das bases permite que o karateka desenvolva os aspectos físicos e motores necessários para que se possa assumir naturalmente posições que mantenham o equilíbrio do corpo em situações práticas. Portanto, a aplicação das bases se dá em um processo dinâmico, de constante movimento.
Através do treinamento das bases, o praticante aprende a mover-se de forma eficiente, ajustando seu centro de massa para manter o equilíbrio em diferentes situações. O treino constante serve para criar automatismos de reações, de modo que sejam aplicadas sem a necessidade de pensar em sua execução. Isso é adquirido através do treino repetitivo. Além disso, para os iniciantes, o treino de bases permite a sistematização de posturas corporais com denominações precisas, facilitando a instrução e o aprendizado [2].
Pouco também é ensinado sobre as bunkais das bases. Aqui você deve estar se perguntando: bunkai de bases?Sim! Explico:Estão ocultas nas bases técnicas de armadilhamento, arremesso e desequilíbrio do oponente. Por exemplo, sanchin dachi e kosa dachi podem ser usadas para enganchar e derrubar o oponente; shiko dachi é geralmente aplicada para arremessar o oponente; zenkutsu dachi pode ser aplicada para desequilibrar e derrubar. Isso reforça o fato de que a aplicação das bases acontece em um processo dinâmico.
O condicionamento físico é um aspecto muito importante em qualquer arte marcial. Treinar as bases no kihon e nas katas contribui para o desenvolvimento físico, forjando pernas e tanden. G. Funakoshi Sensei diz nos ‘20 Preceitos Fundamentais do Karatê’ que as posturas (bases) são para principiantes, enquanto para estudantes avançados as posturas evoluem para posições naturais. Isso reforça o caráter de forjamento físico e de automação de movimentos para o iniciante, de modo que, com a prática, o uso das bases se torna um processo natural e automatizado.
As bases não são apenas posturas estáticas, mas elementos dinâmicos que garantem equilíbrio e eficiência nas técnicas. Elas estão contidas na forma de movimentação do corpo e devem ser aplicadas naturalmente, dado o condicionamento em treino. Portanto, não espere encontrar uma base com estética perfeita durante um confronto. Todavia, se prestar atenção, notará que elas estarão lá, ‘escondidas’, auxiliando na manutenção do equilíbrio.
“Voar como uma borboleta, ferroar como uma abelha” Mohammed Ali,
Referências:
1-Yamaguchi, N.G. 1974. The Fundamentals of Goju-Ryu karatê. 175p.
2- Alernethy, I. 2018. Stances and valuable energy. https://iainabernethy.com/content/stances-and-valuable-energy
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